CasaDeCristal, lazulli, eu, mary paz, humanidade escravizada, a grande mãe, 2006, 1990, poesia. livros
Ainda criança, alguém o alimenta, evitando o corre-corre ao alimento imprescindível. E isto se tiver a sorte que alguém o alimente, senão deambulará desde cedo pelas ruas das cidades do mundo, comendo os restos que vão sobrando pelo caminho de alguém mais abastado do que ele. E neste espaço de tempo que vai sendo alimentado, desde criança até à fase adulta, ele tem uma vantagem: é que o seu corpo não o vence, porque está por sua vez a vencer outros corpos (Pais), que não só cuidam de si como o poupam a tão duro sofrimento imediato. E assim caminha ele, inocente, cheio de ilusões de vivência que nunca se irão concretizar no que diz respeito aos seus pensamentos mais íntimos. Poderá, com muita sorte, ter um décimo daquilo que foi sentindo, deste período em que alguém o tentou proteger, escondendo o que lhe estava reservado no futuro. Mas, inevitavelmente, esse dia há-de chegar para este «protegido» da vida, porque os caminhos da sua sobrevivência já lhe estão a ser preparados de modo a que, quando chegar a sua vez (como acontece com qualquer espécie animal que habita a Terra), saiba como arranjar comida e outras coisas mais. Porque vão-se-lhe deparar inúmeras alternativas em todo este processo de crescimento que o impedirão de chegar ao entendimento de si mesmo. E a única coisa de que vai tendo consciência ao longo da vida é que para não sucumbir pelas ruas das cidades do Mundo precisa de trabalhar; e isto para que não lhe venha a acontecer o que já está a acontecer a muitos, que deambulam indiferentes à espera que algo aconteça, seja o que for, mas que não seja igual ao dia anterior.
Parece que o Mundo foi sempre assim... Imutável como a vida, que vai desgastando os seres sem lhes dar uma solução válida. É um ciclo que não acaba, desde há milénios que se repete, sem que ninguém pretenda acabar com este absurdo. Pelo contrário, eles alimentam os sonhos do Homem pequeno, com a tal malfadada Tradição, dizendo que a vida dura sempre e que ele, quando for grande, vai ser... Vai ser o quê? Mais um escravo humanizado, ou da humanidade, um escravo que viverá uma vida inteira a levantar-se de manhã para regressar à noite, cansado, sem tempo para si próprio e sem entender porquê. E, no dia seguinte, recomeçará de novo este ritual sem fim, esquecendo quem foi e sem saber quem é, apenas recordando o seu nome que mais parece uma marca, para que não esqueça de quem é. Um nome. Apenas um nome. Um nome que, logo que nasce, também em nome de uma comunidade organizada para o bem estar de todos (dizem eles) é-lhe posto, como uma marca, um rótulo que não passa de um controle de registo que vai direitinho para os arquivos da sociedade, e tudo quanto fizer e disser daí para a frente nunca será unicamente dele e sim de uma civilização que pretende o controle de todos os seres humanos que habitam sobre a face da Terra. Com este nome, "obrigam-no" a seguir de imediato qualquer política e religião de acordo com o País em que nasceu e, pelo menos, neste momento crucial da sua vida, não lhe fazem falta nenhuma. Marcado imediatamente à nascença como um qualquer animal irracional, não lhe é permitido, assim, agir livremente como seria de esperar de um legítimo filho de Deus. Controlado até ao mais ínfimo pormenor, para ele é como se a «morte» tivesse vindo no instante em que «nasceu». Mesmo assim, mantém dentro de si uma fé inabalável no futuro. A crença de que vai encontrar uma luz ao fundo do túnel.
Mas, infelizmente para ele, é uma luz que, se existe, não alcança ao longo de toda a sua vida porque a morte continua a ser o destino de toda esta Humanidade que, cansada, caminha para um fim certo, mas que continua a teimar em esconder de si própria este fim inevitável.
Os seus pobres pensamentos estão tão confusos, tão sem solução, que nunca a Humanidade se erguerá, infelizmente para todos nós. Além disso, o silêncio de Deus é tão grande que o Homem nem consegue acordar com tão pouco barulho. Clama no deserto, porque continua a insistir em acreditar a vida ter sido criada por um tal Deus para deleite de uma Humanidade cansada e torturada, onde até o direito de raciocinar lhe foi, é e será retirado numa convergência de interesses entre o Poder Estatal e o Poder Eclesiástico. Onde um toma conta do corpo do homem, com uma civilização política que nos arrasta para uma penosa sobrevivência, e o outro toma conta da alma, como detentor de verdades inacabadas que nos destroem a razão. Assim, continuam a manter de pé esta estranha civilização que nos destrói a existência e nos afasta da verdade. E é exactamente aqui que entram os tais que talvez saibam a dita verdade para nos impulsionar para a frente, com promessas que nunca se cumprirão. Nunca! Mas se a humanidade tivesse certeza disto, seria um caos, e é este caos que alguns tentam evitar, deixando a humanidade às cegas e incapaz de fazer o seu próprio destino. E assim... Nascem todos os dias religiosos sem sentido, para dar sentido à humanidade, mantendo uma esperança de futuro que nunca há-de chegar. Pensam e governam por todos, pois os seres humanos em geral são incapazes de se governarem a si próprios. Para quê, se têm quem os governe? E quem disse que alguém tem que ser governado por ele próprio ou por um outro? Ninguém disse, ninguém! Mas assim é mais fácil manter por muito mais tempo esta farsa interminável; e, enquanto durar, também vão durar todos aqueles que, mais rápido que os outros, apenas quiseram viver. E se viver é o que todos nós sabemos, esta luta consecutiva pela sobrevivência que nos angustia dia após dia ao longo de toda a vida, então eles fizeram-no bem, para que a sua própria escravidão fosse menor. Só não conseguiram vencer a morte, mas para lá caminham. Pelo menos buscam desesperadamente os conhecimentos antigos das sociedades «ocultas» ao nosso entendimento actual (que julgam existir, de um modo ou de outro), para que a imortalidade, como a entendem, lhes seja revelada. E vão tentar, se vão! Esperando talvez conseguir o conhecimento supremo, como forma de deterem o Poder Total, que lhes permitirá ser igual ou mais do que o seu próprio Deus imaginário.
Também é verdade que alguém poderia ter dito alguma coisa e, até, abrir uma centelha de luz num caminho desconhecido que os levaria ao tão desejado caminho. Mas conseguiram convencer os interessados na verdade que não é o que está para lá do caminho o que interessa e sim um meio de ser e pertencer ao Grande, ao Maior, ao Sublime. E já são tão Grandes nas suas actuações neste mundo, Maiores no Poder e Sublimes nas suas estúpidas decisões.